sábado, 1 de junho de 2013

Exu não é o diabo

Carta do Tarô dos Orixás, publicado pela Editora Palas, associando Exu ao Diabo do Tarô.
Vale ressaltar que a figura do Diabo no Tarô se aproxima de Exu na medida que não se identifica
com o mal, mas com aspectos reprimidos da natureza humana.


Os primeiros europeus que tiveram contato na África com o culto do orixá Exu dos iorubás, venerado pelos fons como o vodum Legba ou Elegbara, atribuíram a essa divindade uma dupla identidade: a do deus fálico greco-romano Príapo e a do diabo dos judeus e cristãos. A primeira por causa dos altares, representações materiais e símbolos fálicos do orixá-vodum; a segunda em razão de suas atribuições específicas no panteão dos orixás e voduns e suas qualificações morais narradas pela mitologia, que o mostra como um orixá que contraria as regras mais gerais de conduta aceitas socialmente, conquanto não sejam conhecidos mitos de Exu que o identifiquem com o diabo (Prandi, 2001, pp. 38-83). Atribuições e caráter que os recém-chegados cristãos não podiam conceber, enxergar sem o viés etnocêntrico e muito menos aceitar. [...] Assim, os escritos de viajantes, missionários e outros observadores que estiveram em território fom ou iorubá entre os séculos XVIII e XIX, todos eles de cultura cristã, quando não cristãos de profissão, descreveram Exu sempre ressaltando aqueles aspectos que o mostravam, aos olhos ocidentais, como entidade destacadamente sexualizada e demoníaca. [...] Foi sem dúvida o processo de cristianização de Oxalá e outros orixás que empurrou Exu para o domínio do inferno católico, como um contraponto requerido pelo molde sincrético. Pois, ao se ajustar a religião dos orixás ao modelo da religião cristã, faltava evidentemente preencher o lado satânico do esquema deus-diabo, bem-mal, salvação-perdição, céu-inferno, e quem melhor que Exu para o papel do demônio? Sua fama já não era das melhores e mesmo entre os seguidores dos orixás sua natureza de herói trickster (Trindade, 1985), que não se ajusta aos modelos comuns de conduta, e seu caráter não acomodado, autônomo e embusteiro já faziam dele um ser contraventor, desviante e marginal, como o diabo.

Trechos do artigo Exu, de mensageiro a diabo. Sincretismo católico e demonização do orixá Exu, de Reginaldo Prandi. Revista USP nº50. São Paulo: USP, 2001. Disponível em <http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/35275/37995>.

O artigo de Reginaldo Prandi é uma obra fundamental para se compreender a marginalização de Exu e, consequentemente, de seus cultos e seus seguidores. Recomenda-se fortemente a leitura do texto integral para uma compreensão mais profunda e esclarecedora do fenômeno.

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